segunda-feira, 28 de março de 2011

Mulheres Cotidianas 1

Objeto da Travessa

Ela entrou pela Livraria da Travessa da Sete de Setembro e parecia que a luz havia sido planejada para aquele momento. O fundo mais claro deu destaque à sua silhueta perfeita. Entre o térreo e o subsolo, ela escolheu o subsolo que, para minha felicidade, era onde eu me encontrava. Que mulher! Linda, elegante, cabelos pretos lisos e um pouco abaixo dos ombros, pele ligeiramente morena, olhos vivos, nariz levemente arrebitado e boca no tamanho certo. Nem grande, nem pequena, com lábios carnudos sem exagero. Um pescoço de Audrey Hepburn e, daí para baixo, um furacão com equilíbrio. Seios médios, cintura fina e quadris proporcionais. Tudo isso ressaltado no vestido preto, com cintura marcada, pala com bolinhas brancas e indo pouco acima dos joelhos. De maneira elegante, deixava perceber as pernas lindas, torneadas, bem cuidadas. Benditas coxas e panturrilhas.

Entrou e começou a circular pela loja, olhando para os livros expostos ali. Tudo nela era charmoso. O caminhar, o olhar, o pegar, cada movimento. Seus braços lembravam os de uma bailarina, com leveza e beleza na ação. Ela se interessou por um livro de Arte Moderna, com A Dança, de Matisse, na capa. Os movimentos dos braços das dançarinas lembravam os dos seus e o contraste do colorido da obra com o preto e branco da sua roupa fazia tudo ficar muito interessante. A cena era uma redundância, um trocadilho por si só: uma obra de arte circulando pela seção de arte. E eu sem conseguir tirar os olhos dela.

E ela procura, avalia, mexe e remexe. E eu observando. E ela começa a ver os livros de design, os de fotografia, e mexe os cabelos, ajeita a postura, se abana para afastar o calor de quem veio da rua. E eu admirando. E ela se entretem com os livros de viagem, olhando as fotos com atenção. Um ligeiro sorriso é dado e, num toque de simplicidade e sensualidade, ela tira um dos pés de dentro do sapato e coça levemente o tornozelo da outra perna. O pé arqueado acariciando a sua pele, forçando a contração da panturrilha, fazendo a saia subir um pouco e revelar mais a sua coxa. Sem perder o equilíbrio, a elegância, o charme. E eu adorando.

Já não sei mais o que havia vindo procurar na livraria, mas procurei me comportar como se estivesse interessado em algum livro. Fiquei um pouco assustado com o poder que aquela mulher tinha de me tirar do ar. Fiquei até um pouco decepcionado comigo, pois olhava para ela como um objeto de admiração. Um objeto. Que feio isso! Em pleno século XXI, olhar para uma mulher como se ela fosse simplesmente um objeto, somente pela sua estética. E a pessoa por trás dessa beleza? E a sua história? E comecei a imaginar quem ela seria, a criar uma história para ela. Mas não conseguia ficar muito tempo nisso. Linda, ela acabava atraindo o meu olhar e meus pensamentos. Tentei controlar essa ação instintiva, mas não consegui. Ela era um objeto de desejo para mim. Me culpava por esse pensamento, mas não deixava de tê-lo. Era mais forte do que eu.

E ela circulava e não se decidia por nada. E eu olhava. E ela mexia em todas as pilhas de livros. E eu olhava. E ela passou bem perto de mim. Parou ao meu e disse:

- Adorei o modo como você me olha. Se não tivesse que voltar para o trabalho, ficaria horas desfilando na loja para você me olhar desse jeito.

Disse isso e foi embora. Eu fiquei parado, supreendido pelo o que ela havia dito. Não estava preparado para isso. Acho que não estava preparado para, sequer, falar com ela. e eu nem falei, foi ela quem falou. Eu havia sido tão objeto para ela quanto ela havia sido para mim. Sorri e voltei para o trabalho.