sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

O QUE EU QUERIA TER ESCRITO NO DIA DO SEU NASCIMENTO




Julia, quando você nasceu, eu queria ter escrito alguma coisa para dar-lhe boas vindas. Não consegui. Faltou confiança, coragem ou mesmo força de vontade. Talvez não tenha sido nada disso e eu simplesmente fui tomado de uma embriaguez contagiante que a sua presença provocou. Não tinha olhos para mais nada, apenas para você e sua mãe, as responsáveis pelo meu estado catatônico de felicidade. Tentar explicar isso agora é inútil, pelo simples fato de ser inexplicável a emoção que tomou conta de mim naquele dia. Vamos para as boas vindas, então.

Julia, seja bem vinda. Bem vinda a este mundo cheio de problemas. A uma sociedade estressada, competitiva e violenta. A uma família cheia de problemas, como qualquer família é. E que isso não seja desmotivador. Que isso seja o que dê prazer a sua vida. Porque você veio com o poder de mudar isso tudo. Com o poder de transformar o errado em certo, mas só no dia em que você descobrir o que é realmente (e definitivamente) certo e errado. Enquanto isso, use o seu poder para apaziguar os que se acham certos diante daqueles que também se acham certos. Para evitar que os donos da verdade esnobem, humilhem e oprimam aqueles que não pensam como eles. E para fazer com que as diferenças convivam em paz.

Que você cresça saudável, seja lá o que isso signifique. Que você tenha uma boa educação, seja lá o que isso signifique. Que você tenha cultura, seja lá o que isso signifique. Que você tenha uma boa formação, seja lá o que isso signifique. Que você tenha bons modos, seja lá o que isso signifique mesmo!

Logo, logo, você vai reparar que as pessoas são repetitivas. Enquanto você for pequena quase todos apertarão suas bochechas, darão beijos estalados, ficarão dizendo “dá tchau, dá” e “nossa, como ela cresceu”. Mais um pouquinho e as frases serão “você se lembra de mim?”, “ih, tá com vergonha”, “fala com a tia” e “e aí, já tem namorado?”. Depois vêm as fases das comparações: sobre o colégio, sobre o corpo, sobre o comportamento e o temperamento. Em seguida, as cobranças. E aí você terá emburrecido e se tornado neurótica o suficiente para ser chamada de adulta. Pelas convenções, você estará, então, preparada para vida e aí você vai colaborar para o aprimoramento do cenário que descrevi para você no início do segundo parágrafo.

Com um pouco de sorte... quer dizer... pouco vai ser pouco... com muita sorte você escapará das convenções e poderá ser feliz sem amarras, sem falsidade, sem restrições. Algumas pessoas vão dizer que isso é utópico, que o mundo exige que você seja competitiva, agressiva. Dê uma banana para essa turma e vá viver a sua vida. Não busque a felicidade, busque viver. A felicidade vem no caminho.

Erre bastante. Só assim você aprenderá de verdade. Dance bastante, discuta bastante, estude bastante, divirta-se bastante, namore bastante (mas não na minha frente), caminhe bastante, mude bastante e coma moderadamente. Só assim você viverá de verdade. Aproveite a experiência dos outros para saber o que não fazer. O que fazer, só você saberá. E por si só.

Quanto a mim, já está feito. De uma hora para outra virei uma nova pessoa. Virei pai. Na verdade virei vários pais diferentes nos últimos meses. Me senti pai quando a sua mãe me disse que estava grávida. Me senti mais pai no dia da primeira ultra-sonografia, principalmente quando ouvi o seu batimento cardíaco. No dia da tal da ultra 3D, aí sim, quando vi o seu rosto, senti o que era ser pai. Mas ao ouvir o seu primeiro choro, ao ver você pela primeira vez, ao segurá-la para levá-la ao berçário, ops, naquele momento, olhando você de olhinhos fechados e fazendo biquinho, me tornei pai. A partir daí, não importa o que eu seja, sou seu pai, o pai da Julia. E você não imagina como isso é importante para mim. E imagina menos ainda como isso será cada vez mais importante para mim. Porque certas coisas só aumentam.

Um dia você vai passar pela mesma situação e vai me compreender. Mas aí será pior, porque eu terei me tornado avô, mas isso já é outra história.

Julia, seja bem vinda, seja amada, seja feliz. Seja você. E seja o que Deus quiser, porque Ele há de abençoar cada dia de sua vida, assim como Ele abençoou a minha no dia em que você nasceu.

Muitos beijos,

seu pai

3 comentários:

mperri disse...

Márcio querido...
A Júlia já sabe a sorte que é ter um pai que a ama! E saberá todos os dias da vida dela.
Você não é só pai, você participa de cada batida do coraçãozinho dela, intensamente!

Henrique Almeida disse...

Lindo texto MArcio, parabéns!! Só espero que ela não seja tricolor com vc!!!! rsrsrsrsr

Abraço grande e SRN!!!

Henrique Almeida

Unknown disse...

Amei! Infelizmente e/ou felizmente é isso aí mesmo...
Um beijo, Jussara.